segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Sobre a morte de Rafael Sperafico, o momento da Stock e a segurança de Interlagos

Eu nunca tinha ouvido falar de Rafael Sperafico. E daí? Bastou o locutor do Sportv anunciar "morte na Stock Light" para que eu já engolisse em seco Alguns tensos minutos depois, vieram as imagens da batida. Chocantes, realmente. No momento em que o carro de Rafael começa a rodopiar, logo depois de ser atingido por Renato Russo, o último fio de esperança se dissipa. Aquela pancada havia sido forte demais. Infelizmente, o Sportv não errara a informação.

Rafael Sperafico estava morto. Faleceu de forma instantânea, sem que a equipe médica liderada pelo Doutor Dino Altmann - presente à cena apenas 29 segundos após o acidente - pudesse fazer alguma coisa. Assim, de maneira tão súbita e impiedosa, a vida de um piloto de apenas 27 anos foi cruelmente encerrada. Em meio ao impacto do acidente, as primeiras perguntas já começaram a ser feitas. E agora, Stock Car? E agora, Interlagos? De quem é a culpa?

Muita calma nessa hora. Tragédias como a de Rafael Sperafico são causadas por uma cadeia de erros e infortúnios. É absolutamente inútil tentar culpar apenas um desses fatores, como a má posição da barreira de pneus, o excesso de carros na pista, a agressividade exagerada dos pilotos ou a ineficácia da chamada "gaiola de proteção". Todas essas causas, em maior ou menor escala, contribuíram para a morte de Rafael. E houve, também, o fator do imponderável...

A batida aconteceu num momento extremamente infeliz, quando os carros estavam juntos e acelerados. Rafael bateu no muro e foi acertado no exato ponto onde o piloto fica sentado. Foi muito azar. Mesmo assim, a falta de sorte não pode ser usada como desculpa. Fatalidades não existem no automobilismo. Nesse esporte, nada acontece por acaso. A verdade é que, às vezes, as circunstâncias simplesmente não conseguem ser evitadas. Quem sabe, da próxima vez, a história seja diferente.

Para a Stock, fica a dura, mas inevitável lição. O baque na imagem da categoria vai ser grande. Nesse momento, é hora de repensar a estrutura de proteção dos pilotos, que não se revelou suficiente no triste caso de Rafael. Evitar a sua morte teria sido, de fato, muito difícil. Mas, caso a gaiola de proteção fosse feita de uma material um pouco mais moderno - o atual é do ano 2000 - talvez Rafael tivesse tido mais chances...

Além disso, a Stock ainda sai desse episódio com uma certeza: ainda poderia ter sido bem pior. Já imaginou se o acidente acontece na categoria principal, quando metade das emissoras de televisão estão exibindo desenhos animados? Assim como muita gente abandonou a Fórmula 1 após o choque da morte de Senna, o mesmo poderia acontecer com a Stock. Em escala menor, é claro. De qualquer maneira, o resultado seria devastador para categoria.

Para o autódromo de Interlagos, restam uma série de constatações. Uma pista de Fórmula 1 não pode ter um ponto tão perigoso quanto a Curva do Café. A questão não é a curva, em si, mas a amadora colocação da proteção de pneus, aliada ao péssimo cálculo da distância entre o muro e pista. Aqui, há duas soluções: destruir parte das arquibancadas para alargar a zona de escape, ou eliminar a parte da grama e introduzir a chamada soft wall, usada em corrida de ovais. Evidentemente, a segunda opção é muito mais viável.

Para o esporte, mais uma vez vale a velha máxima: é através das tragédias que ele mais evolui. Se não fosse a morte de Clark, as pistas não teriam guard rails. Se não fosse a tragédia de Cevert, os guard rails não seriam reforçados. Se não fosse o acidente de Peterson, os procedimentos de largada não seriam levados a sério. Se não fosse a perda de Senna, a segurança dos cockpits não seria estudada. Se não fosse o pescoço quebrado de Earnhardt, o HANS não seria adotado. E por aí vai...

Rafael Sperafico sabia muito bem dos riscos que corria quando sentou pela primeira vez num carro da Stock Light. É verdade que ele nunca poderia ter imaginado o seu destino. Mas, onde quer que esteja, Rafael sabe que a sua morte não vai ficar em vão.



Apenas como curiosidade, vale destacar alguns acidentes de dinâmica muito parecida com a de Sperafico. Três deles, já vou avisando, também foram fatais. Prova principal de que o chamado choque em "T" - quando dois carros batem num ângulo de 90º - é realmente mortal.

O primeiro é de uma etapa da DTM alemã, em Hockenheim, disputada em abril deste ano. Multicampeão de Le Mans, o dinamarquês Tom Kristensen foi tocado e rodou em plena reta. Seu carro ficou atravessado, e terminou atingido por outro que vinha mais atrás. Por sorte, o choque se deu na parte da frente de seu Audi, a centímetros de onde ele estava. Mesmo assim, Kristensen se machucou feio e precisou ficar de molho durante boa parte do ano. Quem lembrou desse vídeo foi o Ico:



Por outro lado, o piloto do vídeo abaixo não teve a mesma sorte. Num treino para uma etapa da ALCA, no oval de Charlotte, Eric Martin bateu no muro e ficou parado no meio da pista. Exatos 17 segundos depois, um outro carro não consegue desviar e acerta Martin em cheio. Infelizmente, ele acabou falecendo:



No caso a seguir, o choque não foi em "T", mas acabou sendo suficiente para causar o falecimento do neo-zelandês Mark Porter. A tragédia aconteceu numa corrida dos Supercars australianos, no circuito de Bathurst. Lembrem-se que o piloto fica do lado direito do carro:



Pouca gente lembra, mas o automobilismo argentino passou por uma tragédia semelhante há apenas um ano. Durante uma corrida de longa duração em Rafaela, morreram o piloto Albert Noya e o seu co-piloto Gabriel Muller, após sofrerem um acidente bastante parecido com o de Rafael Sperafico. A batida só aparece na marca de 1:50:


Para terminar, deixo aqui imagens filmadas por um torcedor nas arquibancadas, que mostram os momentos imediatamente posteriores ao acidente de Rafael Sperafico. A perplexidade daqueles que assistiram à cena é clara:



Ao contrário de ontem, o Blog não pode parar dessa vez. Assim, volto mais tarde, ainda hoje, comentando as principais notícias do mundo da velocidade. Até mais.

Crédito das fotos:
Acidente I - http://www.grandepremio.com.br/ (foto de Oelcio Francisco)
Rafael Sperafico - http://www.globoesporte.com/voandobaixoo (foto de Rafael Lopes)

5 comentários:

Anônimo disse...

Gustavo, texto sensato e equilibrado, meus parabéns. Assistindo esses videos que voce colocou, a gente entende que é muito dificil mesmo de escapar de um acidente como esse do Rafael. Só tenho medo que algumas pessoas usem isso como pretexto para deixarem de propagar o automobilismo, foi uma tragédia e isso de vez em quando acontece em qualquer esporte. Espero sinceramente que a familia e os amigos do Rafael sejem reconfortados, eles não merecem passar por essa dor. De resto, que o esporte supere mais essa crise e continue tão forte quanto sempre foi e sempre será.

Um abraço.

Paulo Gouvêa Jr. disse...

faço das palavras do último post as minhas e endosso. Vale também lembrar que nem o WRC escapou deste tipo de acidente que ocasionou a morte do navegador Michael Park. A diferença estava no objeto: ao invés de um carro, era uma árvore. A desaceleração mais a força do impacto foi fatal.
Lamentável mesmo.

Anônimo disse...

Gustavo,
Penso semelhante a vc, porém sou mais radical.
Não exeiste fatalidade nem sorte qdo se coloca em risco a vida. É falta de responsabilidade e excesso aos demais interesses menos valiosos.
Dizer como muitos especialistas q o risco é inerente a este esporte é quase uma desculpa rídicula. Seria o mesmo q achar normal q uma pessoa morra naquelas apresentações de circo onde se atiram facas numa tábua com alguém encostado.RÍDICULO! Isso jamais pode ser chamado de espetáculo ou algo aceitável. Se ocorreu foi por negligencia, imprudencia e impericia de vários envolvidos desde os organizadores aos pilotos.
INACEITÁVEL! Queria ver se fosse com alguem da familia destes q acham fatalidade como seria.
Tenho paixão pela velocidade e automobilismo, mas não aceito q a segurança seja tão fragil assim em batidas nas laterais. Afinal gastam milhões em coisas menos importantes nestes esportes. Fatalidade pra mim é somente em fenomenos da natureza como Tsunamis, mas ainda sim a natureza emite avisos antes (ignorados) destas catastrofes ocorrerem.

robalo disse...

Olá !!!

Boa matéria, Gustavo!!!

Nenhum outro blog se enpenhou ao ponto de mostrar uma matéria com tanto conteúdo...

No mais, concordo plenamente com as palavras do colega JEAN.

Banalizarmos situações como tais significa meio caminho para começarmos a pensar que é natural a morte de um piloto a cada fim de semana...

Com tanta tecnologia atualmente disponível, deve existir algum meio para se tornar os carros da Stock mais seguros...

A F1, por exemplo, quando começou, era muito rudimentar. Os pilotos se expunham a riscos absurdos, e da mesma forma as pessoas que assistiam as corridas. Para aquela época, tudo parecia normal. No entanto, ao longo desses anos algumas mortes foram necessárias para que a categoria evoluísse em termos de segurança. Hoje, nenhum piloto seria maluco de correr naquelas condições...

O risco inerente ao automobilismo sempre vai existir, disso não resta dúvida. Faz parte mesmo do show... Mas isso não pode significar ausência de certas garantias ou medidas que visem a poupar a vida daqueles que proporcionam o show...

Espero que DEUS conforte os familiares do Rafael...!!!

É isso...

Abçs!!

Anônimo disse...

Eu concordo com o q vc disse, ateh quando diz q no automobilismo nada aparece por acaso. Mas acho q tb tem mta gente criando desespero: já ouvi pessoas falando ateh em criações de chicanes pra reduzir akela parte. Pra mim parece bem evidente q a proteção de pneus naum deveria ser colocada ali, como se os acidentes de 2003 na F-1 naum tivessem ocorrido. Deve se pensar sensatamente, corrigir esse erro dos pneus, usar esse acidente pra melhorar a "gaiola", deixar o carro mais resistente ou opçoes do tipo.
E tb discordo de mtos q já duvidam da segurança da Stock Car. Uma categoria q teve 4 mortes em quase 30 anos naum pode ter sua segurança tao duvidada. Naum estou me resignando com as mortes no automobilismo, mas pouquissimas categorias começam extremamente seguras e com nenhuma morte no curriculo ao decorrer dos anos.